segunda-feira, 26 de setembro de 2011

M águas


Chega de lero-lero e vamos à carga. 
O Município de São Mateus mal rompeu a barreira dos cem mil habitantes e já convive com a maioria dos problemas típicos das metrópoles. Garganteando aos quatro ventos que possui a maior agrodiversidade brasileira e tendo na atividade agrícola um dos sustentáculos de seu desenvolvimento, a Rainha do Cricaré é puro descaso com o principal insumo dessa atividade econômica: a água.
Basta que chegue o frio, ou que as nuvens se adensem para o mau cheiro imperar nos vales que recortam o perímetro urbano. Toda a malha da microbacia que irriga a Cidade está poluída. Rios e córregos importantes para o processo de ocupação do norte capixaba, hoje são chamados ‘valões’ e, entendidos como esgoto, estão relegados à mera função de diluidores dos excrementos humanos e dos efluentes de empresas dos mais variados setores.
Um sobrevoo rápido pelos costões dos tabuleiros na direção dos Quilômetros mostra o uso indiscriminado dos recursos hídricos para sustentar a pujança da produção agrícola, mesmo em tempos de seca. A gana e imprudência fizeram multiplicar represas, as mais variadas, construídas sob o engenho de sabe-se lá quais matemáticos, onde a soma do líquido armazenado não se divide por quantos da água necessitam.
Nos mais baixos da Planície Costeira, onde laguna intermitente virou alagamento de bairro nobre e é tratada a drenos e sumidouros, rios como o Preto e o Mariricu sofrem a pressão da expansão urbana e começam a ser loteados para o desfrute de alguns. Enfraquecido, o Mariricu já não sabe se é rio ou se é mar. Salga se é maré vertente, salga também por ser vazante, ‘antropofizado’ ao limite.
 E o majestoso Cricaré não suporta um olhar mais atento, mais de perto. Escorregando lento por sua gigantesca calha, num serpentear vagaroso que lhe serve de nome, o Preguiçoso vem arrastando sedimento desde as serras mineiras, e pó de minério, e graxa, e esgoto, e agrotóxico, e lixo, e sabão, e toda sorte de imundícies que as tantas cidades lançam a montante para o rio tentar, em vão, levar pro mar.
Tem também o eterno captar. Difícil transitar pelos arredores de São Mateus sem encontrar uma máquina pesada escavando um leito ou beira de rio. Cavam-se também os alagados. Tudo para juntar a pouca água que resta em tempos de estio e sugá-la buscando satisfazer alguma premente necessidade humana, do tipo lavar o carro, irrigar coco, molhar mudas de eucalipto, abrir espaço pra pastagem...
Somos pouco mais de 100 mil pessoas. Podemos cuidar melhor de nossos dejetos. Há tempo de remover os ribeirinhos sem recursos para áreas mais salubres e seguras. Há tempo de convencer ribeirinhos abastados a recompor a mata ciliar nos terrenos deles. Há tempo de recompor nascentes e reordenar represas para que a água volte a fluir pelos vales da Cidade acabando com o mau cheiro. E precisamos de gestores sábios, com visão de futuro, que invistam hoje na universalização do saneamento.
Se apenas não sujarmos mais, o rio é plenamente capaz de limpar-se por si só. Ele só nos pede uma chance!

3 comentários:

  1. Outro dia eu estava assistindo um documentário sobre a crítica e triste situação da África. O que mais me chamou a atenção, não foi a miséria referente à comida, mas à água.
    Os africanos paravam carros na pista para pedir água. Cavavam uma terra seca e infértil à procura de água, e quando encontravam uma pequena porção salobra, era motivo de festa, já que cerca de 15 pessoas matariam a sede com um recipiente que cabia uns 300 ml do líquido prcioso...
    Há tempo de não desperdirçarmos, agirmos de forma sustentável e pensarmos nas gerações futuras.
    Texto mais que perfeito. Parabéns, Enio!
    Bjbj,
    TL.

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  2. Obrigado Thais. Se haverá guerra pela água, que ela demore a acontecer. Mais ainda, que ela aconteça bem longe desta terra abençoada, repleta do mais precioso dos minerais.

    Beijo

    Enio

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  3. Excelente seu texto.As recentes visitas do Rio Tietê às margens que antes eram dele, nos mostra a importância de liberar esses espaços. Porque quando ele volta, chega sem pedir licença,empurrando casas, móveis, pessoas, carros, é tempo de mudar mateenses!

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